a palavrar
(PT)
Fechar e abrir os olhos é um movimento involuntário que fazemos para lubrificar nossos globos oculares numa velocidade tão grande e com tanta constância que mal nos damos conta. Neste ato que dura milésimos de segundos a mente humana preparar-se para tarefas, pois a transmissão de informações visuais e algumas atividades cerebrais são interrompidas. Não dá tempo sequer de se notar que ficamos no breu. Mas quando fechamos os olhos voluntária e demoradamente algo diferente se processa: cessam os o fluxo de imagens imediatas e passamos a nos apoiar em outros sentidos. Passamos a experienciar o espaço e os acontecimentos por meio da audição, do tato, do olfato e do paladar. Este exercício associado à atenção plena da respiração e ao silenciamento dos pensamentos integra práticas como o Yoga que busca acalmar a mente e conectar a pessoa ao aqui e agora. Nesta exposição a frase abrir e fechar os olhos é um convite para adentrar em obras de arte que nos jogam no desassossego dos sentidos seja em sua conotação sensorial ou na dimensão dos significados e da linguagem. Aqui o livro não se consegue ler, a partitura da pianola que parece uma grande língua não toca, os sons emitidos geram um discurso aparentemente desconexo.
A poética de Ana Morgadinho baseia-se na criação de teias semânticas a partir do diálogo de obras com as mais variadas técnicas e suportes. Em grande medida essas tramas nos lançam numa espécie de vertigem de significações em que buscamos agarrar pistas de inteligibilidade racional, mas que quase sempre nos causam frustração. Não são narrativas dóceis ou associações simples, mas jogos de percepção e de referências múltiplas. A mostra a palavrar nasce de gestos de construção e desconstrução de linguagem por meio da palavra e seus desvios retinianos. O próprio título advém do verbo apalavrar que significa gerar um acordo antes da sacramentaçao de um negócio, convencional. Também expressa esperança e combinação. Na vídeo - instalação localizada no fundo da galeria temos uma composição de signos e matérias pictóricas que circundam uma palavra quase imperceptível. Sons, imagens permanentes e imagens itinerantes intercalam-se e sobrepõem-se num ritmo cadenciado. Os projectores de slides (máquinas de reprodução de obras que fundamentaram a forma como a história da arte é ensinada e construída) movimentam-se quase que ao ritmo de nossas piscada de olho. O descanso ocular é mínimo já que a cada passagem de slide somos expostos a novas formas. No entanto, há a persistência do branco, do vazio, nos lembrando dos lapsos de nossos pensamentos e principalmente dessa sensação de vazio e de provocação que os trabalhos de Ana Morgadinho nos presenteia.
Abra e feche os olhos. Feche e abra os olhos. Observe, pois como dizia António Muntadas: "Atenção, percepção requer envolvimento"
Cristiana Tejo, Julho 2021
(EN)
Closing and opening our eyes is an involuntary movement we make to lubricate our eyeballs so fast and so steadily that we hardly notice. In this act that lasts milliseconds, the human mind prepares itself for tasks, because the transmission of visual information and some brain activities are interrupted. There's not even time to notice that we're in the dark. But when we close our eyes voluntarily and for a long time, something different takes place: the flow of immediate images ceases and we start to support ourselves in other ways. We experience space and events through hearing, handling, smelling and tasting. This exercise associated with mindfulness of breathing is the silencing of thoughts wholesome practices like Yoga that seek to calm the mind and connect the person to the here and now. In this exhibition, the phrase open and close your eyes is an invitation to enter works of art that throw us into the restlessness of the senses, whether in their sensory connotation or in the dimension of meanings and language. Here the book cannot be read, the pianola score, which seems to be a great tongue, does not play, the sounds emitted generate an apparently disconnected speech.
Ana Morgadinho's poetics is based on the creation of semantic webs from the dialogue of works with the most varied techniques and supports. To a great extent these plots throw us into a kind of vertigo of meanings in which we seek to grasp clues of rational intelligibility, but which almost always cause us frustration. They are not docile narratives or simple associations, but games of perception and multiple references. This exhibition is born from gestures of language construction and deconstruction through the word and its retinal deviations. The title itself comes from the verb apalavrar a word that means to generate an agreement before the sacrament of a business, conventional. It also expresses hope and combination. In the video - installation located at the back of the gallery, we have a composition of signs and pictorial materials that surround an almost imperceptible word. Sounds, permanent images and itinerant images intersperse and overlap in a cadenced rhythm. The slide projectors (machines reproducing works that underlie the way in which art history is taught and constructed) move almost to the rhythm of our blink of an eye. Eye rest is minimal as with each slide pass we are exposed to new shapes. However, there is the persistence of blank spaces, of emptiness, reminding us of the lapses of our thoughts and especially of this feeling of emptiness and provocation that Ana Morgadinho's works give us. Open and close your eyes. Close and open your eyes. Observe, as António Muntadas said: "Warning: perception requires involvement"
Cristiana Tejo, July 2021
Fechar e abrir os olhos é um movimento involuntário que fazemos para lubrificar nossos globos oculares numa velocidade tão grande e com tanta constância que mal nos damos conta. Neste ato que dura milésimos de segundos a mente humana preparar-se para tarefas, pois a transmissão de informações visuais e algumas atividades cerebrais são interrompidas. Não dá tempo sequer de se notar que ficamos no breu. Mas quando fechamos os olhos voluntária e demoradamente algo diferente se processa: cessam os o fluxo de imagens imediatas e passamos a nos apoiar em outros sentidos. Passamos a experienciar o espaço e os acontecimentos por meio da audição, do tato, do olfato e do paladar. Este exercício associado à atenção plena da respiração e ao silenciamento dos pensamentos integra práticas como o Yoga que busca acalmar a mente e conectar a pessoa ao aqui e agora. Nesta exposição a frase abrir e fechar os olhos é um convite para adentrar em obras de arte que nos jogam no desassossego dos sentidos seja em sua conotação sensorial ou na dimensão dos significados e da linguagem. Aqui o livro não se consegue ler, a partitura da pianola que parece uma grande língua não toca, os sons emitidos geram um discurso aparentemente desconexo.
A poética de Ana Morgadinho baseia-se na criação de teias semânticas a partir do diálogo de obras com as mais variadas técnicas e suportes. Em grande medida essas tramas nos lançam numa espécie de vertigem de significações em que buscamos agarrar pistas de inteligibilidade racional, mas que quase sempre nos causam frustração. Não são narrativas dóceis ou associações simples, mas jogos de percepção e de referências múltiplas. A mostra a palavrar nasce de gestos de construção e desconstrução de linguagem por meio da palavra e seus desvios retinianos. O próprio título advém do verbo apalavrar que significa gerar um acordo antes da sacramentaçao de um negócio, convencional. Também expressa esperança e combinação. Na vídeo - instalação localizada no fundo da galeria temos uma composição de signos e matérias pictóricas que circundam uma palavra quase imperceptível. Sons, imagens permanentes e imagens itinerantes intercalam-se e sobrepõem-se num ritmo cadenciado. Os projectores de slides (máquinas de reprodução de obras que fundamentaram a forma como a história da arte é ensinada e construída) movimentam-se quase que ao ritmo de nossas piscada de olho. O descanso ocular é mínimo já que a cada passagem de slide somos expostos a novas formas. No entanto, há a persistência do branco, do vazio, nos lembrando dos lapsos de nossos pensamentos e principalmente dessa sensação de vazio e de provocação que os trabalhos de Ana Morgadinho nos presenteia.
Abra e feche os olhos. Feche e abra os olhos. Observe, pois como dizia António Muntadas: "Atenção, percepção requer envolvimento"
Cristiana Tejo, Julho 2021
(EN)
Closing and opening our eyes is an involuntary movement we make to lubricate our eyeballs so fast and so steadily that we hardly notice. In this act that lasts milliseconds, the human mind prepares itself for tasks, because the transmission of visual information and some brain activities are interrupted. There's not even time to notice that we're in the dark. But when we close our eyes voluntarily and for a long time, something different takes place: the flow of immediate images ceases and we start to support ourselves in other ways. We experience space and events through hearing, handling, smelling and tasting. This exercise associated with mindfulness of breathing is the silencing of thoughts wholesome practices like Yoga that seek to calm the mind and connect the person to the here and now. In this exhibition, the phrase open and close your eyes is an invitation to enter works of art that throw us into the restlessness of the senses, whether in their sensory connotation or in the dimension of meanings and language. Here the book cannot be read, the pianola score, which seems to be a great tongue, does not play, the sounds emitted generate an apparently disconnected speech.
Ana Morgadinho's poetics is based on the creation of semantic webs from the dialogue of works with the most varied techniques and supports. To a great extent these plots throw us into a kind of vertigo of meanings in which we seek to grasp clues of rational intelligibility, but which almost always cause us frustration. They are not docile narratives or simple associations, but games of perception and multiple references. This exhibition is born from gestures of language construction and deconstruction through the word and its retinal deviations. The title itself comes from the verb apalavrar a word that means to generate an agreement before the sacrament of a business, conventional. It also expresses hope and combination. In the video - installation located at the back of the gallery, we have a composition of signs and pictorial materials that surround an almost imperceptible word. Sounds, permanent images and itinerant images intersperse and overlap in a cadenced rhythm. The slide projectors (machines reproducing works that underlie the way in which art history is taught and constructed) move almost to the rhythm of our blink of an eye. Eye rest is minimal as with each slide pass we are exposed to new shapes. However, there is the persistence of blank spaces, of emptiness, reminding us of the lapses of our thoughts and especially of this feeling of emptiness and provocation that Ana Morgadinho's works give us. Open and close your eyes. Close and open your eyes. Observe, as António Muntadas said: "Warning: perception requires involvement"
Cristiana Tejo, July 2021